1. Introdução
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento que afeta a comunicação, a interação social e o comportamento de milhões de pessoas em todo o mundo. O diagnóstico precoce e o acesso contínuo a terapias especializadas — como terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia e análise do comportamento aplicada (ABA) — são fundamentais para promover qualidade de vida e autonomia às pessoas com TEA.
Apesar da existência de leis que asseguram o direito ao tratamento adequado, muitas famílias enfrentam um obstáculo grave: a negativa de tratamento para TEA, tanto por parte de planos de saúde quanto pelo sistema público. Essa recusa pode ocorrer por diversos motivos — limitação de sessões, exclusão de métodos terapêuticos ou simplesmente por desinformação — mas, na maioria dos casos, ela é ilegal e viola direitos fundamentais.
Neste artigo, vamos explicar o que a legislação brasileira garante às pessoas com TEA, como identificar situações de negativa indevida de tratamento e o que fazer para exigir que os direitos sejam respeitados. Afinal, acesso à saúde não é favor — é dever do Estado e das operadoras de saúde, e direito do cidadão.
2. O Que Diz a Legislação Sobre o Direito ao Tratamento do TEA
O ordenamento jurídico brasileiro assegura de forma clara o direito à saúde e ao tratamento adequado para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Esse direito é protegido por uma série de normas que reforçam a obrigação do Estado e dos planos de saúde em garantir o atendimento necessário, sem discriminação.
Uma das principais referências é a Lei nº 12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Essa lei reconhece o autismo como uma deficiência, garantindo à pessoa com TEA o acesso aos mesmos direitos das pessoas com deficiência, incluindo o atendimento multiprofissional no âmbito do SUS e da rede privada.
Além disso, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) reforça que é dever do poder público, da sociedade e da família assegurar, com prioridade, todos os direitos fundamentais às pessoas com deficiência, inclusive o acesso universal e igualitário à saúde.
A própria Constituição Federal, em seu artigo 196, estabelece que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, devendo ser garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Portanto, quando ocorre a negativa de tratamento para TEA, seja pela rede pública ou por planos de saúde, há, em muitos casos, uma violação direta dessas garantias legais. É essencial que as famílias conheçam essas normas para poderem reivindicar seus direitos de forma segura e fundamentada.
3. Quando Ocorre a Negativa de Tratamento para TEA
Mesmo com todas as garantias legais, a negativa de tratamento para TEA infelizmente ainda é uma realidade enfrentada por muitas famílias no Brasil. Essa recusa pode se manifestar de diversas formas, tanto na rede pública quanto por parte de planos de saúde privados.
No Sistema Público (SUS)
No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a negativa ocorre, muitas vezes, de maneira indireta: pela ausência de profissionais especializados, falta de vagas em serviços de referência ou longas filas de espera para iniciar atendimentos essenciais como fonoaudiologia, psicologia ou terapia ocupacional. Embora o tratamento esteja previsto em lei, na prática, muitos municípios não oferecem estrutura suficiente, o que obriga as famílias a recorrerem ao Judiciário para garantir o atendimento.
Nos Planos de Saúde
No setor privado, as negativas são mais explícitas e, por vezes, disfarçadas de limitações contratuais. Os casos mais comuns envolvem:
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Limitação do número de sessões terapêuticas por ano ou por semana;
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Recusa de cobertura de métodos específicos, como a terapia ABA (Análise do Comportamento Aplicada), sob a justificativa de que não estão no rol da ANS ou que seriam “experimentais”;
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Imposição de reembolso insuficiente ou exigência de profissionais credenciados inexistentes na região.
Essas condutas, além de ferirem os direitos do consumidor, podem ser consideradas discriminatórias e abusivas, já que ignoram a natureza contínua e essencial do tratamento para pessoas com TEA.
Importante lembrar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que os planos de saúde não podem limitar os meios de tratamento prescritos por profissional habilitado, quando estão ligados à finalidade terapêutica da doença coberta pelo contrato.
Ou seja, se o tratamento for indicado por um profissional da saúde, e estiver relacionado ao diagnóstico de TEA, a negativa de cobertura tende a ser considerada indevida judicialmente.
4. A Jurisprudência Tem Protegido as Pessoas com TEA
O Poder Judiciário brasileiro tem se posicionado de forma firme e protetiva em relação aos direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), especialmente quando se trata de negativa de tratamento por planos de saúde ou pelo poder público. A jurisprudência tem reconhecido que a recusa no fornecimento de terapias essenciais viola princípios constitucionais, como o direito à saúde, à dignidade da pessoa humana e à não discriminação.
Planos de Saúde: Recusa Injustificada é Abusiva
Em diversas decisões, os tribunais têm afirmado que os planos de saúde não podem limitar o número de sessões terapêuticas ou recusar tratamentos como ABA, fonoaudiologia ou psicoterapia, quando indicados por profissional habilitado.
O entendimento predominante é que, havendo prescrição médica, a cobertura é obrigatória. O rol da ANS, embora importante, não pode ser interpretado de forma taxativa quando se trata de tratamentos indispensáveis.
SUS e Direito ao Tratamento Digno
O Judiciário também tem determinado que o poder público forneça o tratamento adequado às pessoas com TEA, quando comprovada a omissão ou a deficiência na oferta de serviços.
Em muitos desses casos, os juízes concedem tutelas de urgência, garantindo atendimento imediato para evitar agravamento no quadro clínico da pessoa com TEA.
Decisões Favoráveis São a Regra, Não a Exceção
A tendência atual é clara: os tribunais estão ao lado das famílias que buscam assegurar o tratamento adequado para pessoas com autismo. A jurisprudência tem servido como instrumento de justiça social, reconhecendo que a saúde não pode ser restringida por cláusulas contratuais abusivas ou pela ineficiência do Estado.
5. O Que Fazer Diante da Negativa de Tratamento
Receber uma negativa de tratamento para TEA é uma situação angustiante para qualquer família. No entanto, é importante saber que existem caminhos legais e administrativos para garantir o acesso às terapias necessárias. A seguir, listamos os principais passos que podem ser adotados diante de uma recusa, seja por parte do plano de saúde ou do poder público:
1. Solicite a negativa por escrito
Exija que a negativa seja formalizada, com a justificativa detalhada. Os planos de saúde são obrigados pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) a apresentar a recusa por escrito, no prazo de até 24 horas. Essa documentação é essencial para fundamentar uma reclamação ou ação judicial.
2. Guarde todos os documentos
Reúna os seguintes documentos:
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Relatórios médicos que prescrevem os tratamentos (com indicação de frequência e justificativa);
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Negativa formal do plano ou do órgão público;
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Comprovantes de tentativa de agendamento ou solicitações administrativas;
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Contrato do plano de saúde, se for o caso.
3. Reclame nos órgãos competentes
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ANS http://www.ans.gov.br – se for plano de saúde;
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Ouvidoria do SUS ou Secretaria Municipal/Estadual de Saúde pelo telefone 136 ou https://ouvidor.saude.gov.br/public/form-web/registrar – no caso de negativa pela rede pública;
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Procon https://www.procon.sp.gov.br/espaco-consumidor/– para denúncia de práticas abusivas;
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Ministério Público https://www.mpsp.mp.br/ – pode ser acionado para promover ações coletivas ou individuais quando há violação de direitos fundamentais.
4. Busque apoio jurídico
Se não houver solução administrativa, é possível ingressar com uma ação judicial. Um advogado especializado ou a Defensoria Pública pode ajuizar uma ação com pedido de tutela de urgência, solicitando que o tratamento seja imediatamente iniciado ou restabelecido.
A Justiça brasileira tem se mostrado sensível a esses casos e costuma conceder liminares rapidamente, especialmente quando há risco de prejuízo ao desenvolvimento da pessoa com TEA.
Diante de uma negativa de tratamento para TEA, o mais importante é não se calar. Informar-se, buscar apoio e agir com rapidez pode fazer toda a diferença para garantir o acesso ao cuidado necessário.
6. Conclusão
A negativa de tratamento para TEA é uma violação grave de direitos, que compromete diretamente o desenvolvimento, a autonomia e a qualidade de vida de pessoas com autismo. Apesar de leis claras e de uma jurisprudência sólida que protege essas pessoas, ainda é comum que famílias precisem enfrentar barreiras injustas para obter um atendimento digno e adequado.
É fundamental que pais, responsáveis e profissionais da área estejam bem informados sobre os direitos garantidos pela legislação brasileira, como a Lei Berenice Piana, a Lei Brasileira de Inclusão e o próprio texto da Constituição Federal. O conhecimento é a primeira ferramenta para combater a recusa indevida e garantir o acesso à saúde.
Se você está passando por essa situação, ou conhece alguém que está, saiba: não aceite a negativa como definitiva. Procure orientação, registre sua reclamação, e, procure assistência jurídica especializada, entre em contato com o nosso time para que possamos esclarecer quaisquer dúvidas que possam ter surgido. O tratamento adequado não é um privilégio — é um direito garantido por lei.
7. FAQ – Perguntas Frequentes
1. O plano de saúde pode limitar o número de sessões para pessoas com TEA?
Não. A jurisprudência majoritária entende que, havendo prescrição médica, a limitação de sessões é abusiva. O tratamento deve ser ofertado na quantidade necessária ao quadro clínico do paciente, especialmente em casos de TEA, que exigem intervenções contínuas e multidisciplinares.
2. O que fazer se o SUS não oferece o tratamento necessário?
É possível formalizar a solicitação junto à Secretaria de Saúde local e, caso não haja resposta ou haja negativa, registrar denúncia na ouvidoria do SUS. Persistindo a omissão, é possível ingressar com uma ação judicial, com pedido de tutela de urgência, para garantir o acesso imediato ao tratamento.
3. A terapia ABA deve ser obrigatoriamente coberta pelo plano de saúde?
Sim, desde que prescrita por profissional habilitado. Mesmo que não esteja expressamente listada no rol da ANS, os tribunais têm decidido que a terapia ABA deve ser coberta, considerando sua eficácia reconhecida e sua indicação no tratamento de pessoas com TEA.
4. Preciso contratar um advogado para garantir o tratamento judicialmente?
Sim. O Ministério Público também pode ser acionado em casos que envolvam crianças, adolescentes ou interesse coletivo.
5. O plano de saúde pode exigir que o profissional seja da rede credenciada, mesmo que não exista esse especialista na região?
Não. Se não houver profissional credenciado na especialidade ou localidade, o plano é obrigado a autorizar atendimento com profissional não credenciado e custear integralmente o tratamento, conforme entendimento da ANS e da jurisprudência.
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